Douro 250 anos

Tuesday, September 26, 2006

UMA REGIÃO COM HISTÓRIA

1. Caracterização da região

A Região Demarcada do Douro (gravura 1) estende-se por 250 000 hectares, e a plantação de vinha ocupa 48 000 hectares. Possui 30 400 viticultores, o que dá uma média de 1.2 ha/viticultor . Divide-se em três zonas distintas: a oeste, o Baixo Cor-go, no centro o Cima Corgo e a leste o Douro Superior e dela fazem parte 22 municí-pios. Aí se produzem os vinhos correspondentes às denominações de origem “Porto” e “Douro.
O Alto Douro estende-se pelo vale do rio Douro a partir de Barqueiros, cerca de 100 km a montante do Porto até Barca de Alva e pelos vales dos seus afluentes Corgo, Torto, Pinhão, Tua... Abrigada dos ventos por altas serranias é essencialmente constituída por xistos. É um território agreste, ardente no Verão e frio no Inverno.
No entanto, apenas 24 mil hecta¬res, ou seja, um décimo dessa área, que engloba treze concelhos, foi classificado pela UNESCO como Património Mundial (gravura 2). Contudo, a zona classificada é representativa da diversi¬dade do Douro, uma vez que inclui espaço do Baixo Corgo, do Cima Corgo e do Douro Supe¬rior.
Os treze concelhos que fazem parte da zona distinguida pela UNESCO são Alijó, Armamar, Carrazeda de Ansiães, Lamego, Mesão Frio, Peso da Régua, Sabro-sa, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Tabuaço, Torre de Moncorvo, Vila Nova de Foz Côa e Vila Real, estendendo-se ao longo das encostas do rio Douro e dos seus afluentes, Varosa, Corgo, Távora, Torto e Pinhão.

O território do Alto Douro Vinhateiro integra o vale do rio Douro citado, que já é considerado Património Mundial nos seus extremos, nomeadamente a zona ribei-rinha do Porto, e no lado oposto o Parque Arqueológico do Côa.
A acrescentar à principal cultura da vinha que produz os afamados - Vinho do Porto e o Vinho do Douro branco e tinto - são também importantes o azeite e a amên-doa. À importância da região acresce a fauna deste espaço natural, onde se incluí também o Parque Natural Arri¬bes del Duero, em zona espanhola, sobretudo no que diz respeito as grandes aves de rapina e à cegonha negra. As vertentes escarpadas desta área oferecem a tranquilidade necessária para albergar as inúmeras aves que aqui se reproduzem, como o Grifo, o Abutre do Egipto, símbolo do Parque Natural do Douro Internacional, a Águia Real, a Águia de Bonelli e a Cegonha-preta. Importan-tes populações de mamíferos podem também ser encontrados neste parque: o lobo, o corço, o javali, a lontra, a raposa, o coelho selvagem, entre outros.
Sendo os bosques de Carrascos (Quercus rotundifolia) os mais representativos encon¬tramos também os sobreirais (quercus suber), os zimbrais (juniperus oxyce-drus) e os carva¬lhais de carvalho negral (quercus pyrenaica). Proliferam ainda um conjunto de arbustos característicos como são as estevas, as giestas, as cornalheiras, as lavandas e as urzes, conjun¬tamente com salgueiros e amieiros que aparecem junto das linhas de água .
Do alto das serranias, vem o coelho, perdiz, lebre, tornando esta região um ponto de encontro para quem se dedica à caça. Dos rios e riachos chegam às mesas os barbos, as bogas, os escalos, as enguias, o sável, a tenca e a carpa. Terra do bom comer e bom beber, a região pode ofere¬cer a quem chega um magnífico cardápio: cabrito assado, pratos de caça, presunto, bola de carne, caldo de castanhas, alheiras, trutas com presunto, carne de porco assada (a famosa marrã), carnes de porco fuma-das; e a doçaria variada: pão-de-ló, celestes, chila no forno, ros¬quilhas, bolinhos de amor.
As fortes tradições de recreação têm visibilidade nas inúmeras e dispersas romarias, nas festas religiosas anuais (Natal, Janeiras, Reis, Páscoa...), nos trabalhos agrícolas princi¬palmente as vindimas.
A paisagem do Douro é toda ela de enorme atractivo. Das cercanias serranas às mar¬gens do Rio, da beleza da giesta selvagem aos socalcos da videira domesticada, passando pelas amendoeiras e cerejeiras em flor se desdobra-se esta paisagem singu-lar.


2. Uma Região com História

O Alto Douro é um exemplo significativo da construção de uma paisagem a que con¬correram várias civilizações e povos e em que o vinho foi, quase sempre, tra-ço de união.
Na candidatura do Alto Douro Vinhateiro a Património Mundial sublinha-se a constru¬ção de uma paisagem humana e natural surgida do “intercâmbio de influên-cias culturais diver¬sas, continuamente sobrepostas, (que) configurou um espaço de sincretismo cultural quer no imaginário colectivo tradicional, quer nos vestígios arqueológicos.” .

2. 1. Alguns factos históricos

A história da cultura do vinho no Alto Douro é muito antiga e reporta à pré-história como o atesta a descoberta de vestígios de grainhas de “vitis vinifera” na estação arqueológica do Buraco da Pala perto de Mirandela e datadas do século XX a.C. As condições geomorfológicas e climáticas da região, associadas à atracção flu-vial contribuíram para uma forte ocupa¬ção humana da região. Esta revela-se, ainda, nas gravuras rupestres paleolíticas de Foz-Côa, nas pinturas rupestres do Cachão da Rapa de Linhares a que se juntam monumentos megalíti¬cos, esculturas zoomórficas ou antropomórficas associadas a cultos de fertilidade, marcos da época pré-histórica.
São largos os vestígios da ocupação romana da região e da correspondente exploração vinícola. “O vale do Douro constitui um corredor de povos e culturas, que, pelo menos desde a época da romanização desenvolveram a cultura da vinha”. As descobertas arqueológicas têm revelado fragmentos de cerâmica associados ao armazenamento de vinho, inúmeras lagaretas cavadas na rocha (ver gravura 3), vestí-gios de lagares e mesmo de adegas que reportam aos séc. III e IV que atestam a viti-cultura e a vinificação da época romana .
Para uma compreensão de toda a dimensão duriense é necessário ter em conta esta acumulação de culturas e influências várias.
As sucessivas conquistas aos mouros e a consolidação do território a que viria a cha¬mar-se Condado Portucalense, propiciou uma atenção dos reis de Leão na con-cessão de privi¬légios às populações da região do Douro que se concretizou na neces-sidade da concessão de um foral a um conjunto de povoados da bacia norte e sul do Douro: S. João da Pesqueira, Ansiães, Linhares, Paredes e Penela; pois o vale consti-tuiria fragilidade às investidas mouris¬cas e a distribuição de privilégios garantiria a fidelidade das populações e evitaria que se unis¬sem ao inimigo.
Curioso será referir que as primeiras cartas forenses do rei Fernando Magno (séc. XI) doadas a S. João da Pesqueira, Penela, Paredes, Linhares e Ansiães que são os documentos mais antigos referentes a territórios que hoje constituem o nosso país, estabelecem como imposto de “parata regis” uma paga em géneros para as despesas do palácio “duos panes uno de tritico et alio de centeno et uno almude de vino et alium de cevada” por cada vizinho.
Em finais da idade Média intensificam-se as trocas comerciais, acelera-se o povoa¬mento e desenvolve-se a agricultura. Nascem e crescem vilas e as cidades principalmente as muralhadas (Freixo de Espada à Cinta, Torre de Moncorvo, Vila Nova de Foz Côa, Vila Flor, Ansiães, Freixo de Numão, Lamego, etc.) A instalação de diversas ordens religiosas predomi¬nantemente os monges de Cister dão grande contributo à produção, melhoria de qualidade do vinho e comércio que se faz exclusi-vamente pelo rio Douro até á foz em Gaia e no Porto. São exemplos desta actividade vitivinícola os mosteiros de Salzedas, S. João de Tarouca e S. Pedro das Águias.
Em 1502, D. Manuel manda demolir os canais de pesca no rio Douro para facilitar a navegação desde a Pesqueira até ao Porto. A navegação a montante do rio é completamente impossível devido ao Cachão da Valeira. A produção de vinha a mon-tante deste rio revela-se muito problemática e é incipiente devido a este factor e à dificuldade do transporte.
Em 1552, o cronista Rui Fernandes escrevia que os vinhos de Lamego eram “os mais excelentes vinhos e de mais dura que no reino se podem achar, e mais chei-rantes, porque há vinhos de 4, 5, 6 anos e de quantos mais anos é, tanto mais exce-lente, e mais cheiroso.”
Ainda no séc. XVI, João de Barros refere na sua geografia de entre Douro e Minho e Trás-os-Montes os vinhos de qualidade produzidos nas terras próximas do Douro e em Pinhão.
A partir do séc. XVII, o cultivo da vinha e a produção do vinho tem um gran-de incre¬mento com o estabelecimento no Porto de diversos negociantes ingleses, fla-mengos e hambur¬gueses para daí exportarem vinhos do Douro.
No último quartel do século XVII surgem dois pormenores que hão-de marcar etimo¬logicamente e em termos de qualidade o néctar das uvas do Douro. Em 1675 surge, pela pri¬meira vez, a expressão “vinho do porto” no discurso sobre a introdução das artes no reino, da autoria de Duarte Ribeiro de Macedo. Em 1678 um inglês refere a junção de aguardente aos vinhos de embarque. Esta serviria para garantir a não deterioração nas grandes viagens marítimas e terrestres a que era submetido.
A celebração do tratado de Methwen em 1703 e a diminuição dos impostos sobre os vinhos portugueses contribui para um grande incremento das exportações.

2.2. O período de Pombal

No século XVIII, a partir da década de 30 e até á década de 50 assiste-se a fraudes generalizadas que põem em causa a qualidade do produto e a sua comerciali-zação o que leva a alguns exportadores e produtores entre os quais o Dr. Beleza de Andrade, D. Bartolomeu Pancorbo e Frei João de Mansilha a iniciarem um processo que culmina na criação da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Dou-ro que é instituída por Alvará Régio de 10 de Setembro de 1756. Como diz António Barreto é este o “acto fundador” da actual região.
Na manhã de 23 de Fevereiro do ano seguinte (1757) levanta-se no Porto um motim contra a Companhia . Resultado: muitos mortos, um reforço da autoridade real e o retrocesso das velhas liberdades das gentes do burgo nortenho. Esta criação que beneficia claramente os interesses reais, no seguimento da filosofia económica que atinge toda a velha Europa, os monopólios. A doutrina económica presente é a do mercantilismo, caracterizada pelo proteccionismo, pelos incentivos fiscais e instaura-ção de monopólios. O objectivo último é o da acumulação de bens. O poder do rei é medido pela quantidade de riqueza que consegue armazenar.
Entre 1757 a 1761 decorrem as demarcações pombalinas no que é a primeira demarcação da região vinhateira do Douro e que decorrerá com diversos incidentes. Nos anos de 1788 e 1793 decorrem as demarcações de D. Maria I que alargam a área demarcada. Em 1908, é corrigida a demarcação da zona do Douro, com base nas fre-guesias, ficando a região com os limites praticamente actuais.
Com a morte de D. José e a deposição do marquês de Pombal, muitos dos pri-vilégios da Companhia são retirados, entre os quais, o monopólio da comercialização do vinho para o Brasil.

2.3. O período pós-Pombal

Em 1780, inicia-se a demolição do famoso rochedo do Cachão da Valeira nos concelhos de S. João da Pesqueira e Carrazeda de Ansiães que impedia a navegabili-dade do rio a montante do referido cachão. Só seis anos volvidos, um primeiro barco, ultrapassa o acidente natural do rio na Valeira (ver gravura 4)
Em 1792 são concluídos os trabalhos da demolição do rochedo ficando o rio Douro navegável até Espanha. Apesar das obras, o local, oferece variados perigos que culminam na morte de Joseph James Forester num naufrágio. Segundo a lenda, D. Antónia Adelaide Ferreira , conhecida popularmente por “Ferreirinha”, a maior pro-prietária vinhateira do Douro, cujas quintas produziam mais de 1500 pipas de vinho, segundo conta a lenda salvar-se-ia de um desastre no Cachão da Valeira, pois as suas saias serviram de bóias aquando de um seu naufrágio.
Em 1797, as demarcações pombalinas ultrapassam o rio Tua (gravura 5).
Em 1807, a Companhia obtém o exclusivo da venda do Vinho do Porto engar-rafado. Em 1821/1822, as cortes liberais introduzem alterações significativas na legis-lação sobre o vinho: mantêm os direitos exclusivos da Companhia mas retiram-lhe parte dos seus privilégios e funções.
Em 1822 dão-se levantamentos armados contra a carta constitucional é a “Vila Francada”. Extinguem-se, em consequência as Cortes e a Constituição. São restituí-dos os direitos à Companhia.
Os poderes da Companhia são extintos e é fundada em sua substituição a Associação Comercial do Porto no ano de 1834. Estas medidas seriam desfeitas em 1838 e a Companhia foi restaurada por mais 20 anos.
Em 1836 com Fontes Pereira de Melo, a Companhia perderá mais uma vez e definitivamente todas as suas atribuições oficiais. O governante reduz os direitos de exportação e abole a taxa de guias de trânsito de Vinho do Porto. Cria a Comissão Reguladora da Agricultura e Comércio do Vinhas do Alto Douro.
Datas negras para o Douro são: 1851, a do aparecimento do oídio. 1863 que se considera a provável do aparecimento da filoxera no Alto Douro. Esta doença mata milhares de vinhas e constitui a maior crise que o Douro já assistiu. Em 1872, o Governo nomeia uma Comissão encarregada de visitar a região e estudar a filoxera. As vinhas infectadas passam a chamar-se “mortórios”. Três anos depois, começa a utilizar-se o sulfureto de carbono para combater a doença. Com esta crise são tentadas outras plantações como é o caso do tabaco. E por último, 1893 em que uma nova tra-gédia abate-se sobre o Douro com um surto de míldio.
A linha ferroviária do Douro constitui uma grande obra para o Douro pelas implicações nos transportes. O transporte em barcos rabelos (gravura 6), difícil e demorado deixa de efectuar-se e é substituído pelo transporte de ferro.
Ela começa a construir-se em 1873. Passados cinco anos chega à Régua. A sua conclusão só estaria pronta em 1887, ano em que foi inaugurada a linha do Tua desde Foz-Tua a Mirandela (gravura 7). Mentor desta obra é João da Cruz, cuja memória prevalece numa avenida em Bragança. Possuidor de vários terrenos e quin-tas no concelho, particularmente em Parambos, Selores e Ribalonga. . Seria, no entanto apenas na década de sessenta que os barcos rabelos deixariam definitivamente o rio.
Dois outros acontecimentos violentos aconteceram no Douro. Em 1915, nos motins em Lamego morrem 15 pessoas. Os manifestantes opunham-se a que o vinho oriundo de Portugal com a designação de Porto e importado pela Inglaterra teria de ser acompanhado por um certificado das autoridades competentes portuguesas. Em 1921 há outras graves manifestações violentas na região demarcada.
Se 1932 á a data da Criação da Casa do Douro, no ano seguinte foi criado o Instituto do Vinho do Porto por pressão dos ingleses (10 de Abril de 1933). No biénio de 1936/37 são introduzidas importantes medidas, É publicada a lei da vindima, que estabelece as quantidades mínimas e máximas que podem ser anualmente exportadas por cada firma, de acordo com os estoques armazenados e as compras na vindima anterior. Em 1937 a Casa do Douro dá início à elaboração do cadastro vitícola da região demarcada. Em 1940 é publicado o método de distribuição do vinho do Porto. A reestruturação completar-se-ia entre 1945/49 em que Álvaro Baltazar Moreira da Fonseca elabora o “método de pontuação” que serve de base à distribuição do “bene-fício” isto é, se um viticultor tiver uma vinha sujeita a classificação de qualquer uma destas letras diz-se que tem direito ao “benefício”. Ter em mão, o precioso cartão significa poder vender a um preço bem superior, se compararmos com os mostos sem direito a benefício.
Com o 25 de Abril, extingue-se o Grémio de Exportadores do vinho do Porto e cria-se a respectiva Associação, mais tarde Associação das Empresas de Vinho do Porto. Todos os Vintage passam a ser engarrafados obrigatoriamente em Portugal.
A Criação da Comissão Intermunicipal da Região demarcada do Douro é um verdadeiro golpe ao poder da Casa do Douro que representa os pequenos e médios agricultores. O negócio da compra de 40% da Real Companhia Velha que implicou um endividamento mais de 90 milhões de euros, debelaram a organização dos viticul-tores mas continua a simbolizar a união indispensável para poderem disputar os lucros dos negócios aos exportadores.
Em 1986 é aprovado o regulamento de Denominação de Origem do vinho do Porto e é reconhecida a designação de origem “Douro”. A Comunidade Europeia em 1998 produz um Regulamento que estabelece normas de execução relativas à protec-ção das menções tradicionais complementares utilizadas para certos tipos de vinhos de qualidade produzidos em regiões demarcadas. Este protege as menções relativas à Região do Douro: “Vintage”, “Late Bottled Vintage”, Tawny”, “Ruby”... São tam-bém reconhecidas as denominações de origem atrás referidas: “Porto” e “Douro”
Para além do vinho, o Douro tem-se afirmado ultimamente como um pólo de desenvolvimento turístico (gravura 8). Vários operadores turísticos ligados à navega-ção fluvial (gravura 9), percorrem o rio principalmente no Verão. Algumas unidades hoteleiras e de turismo rural vão semeando-se na região. No entanto, parece-nos ser necessárias medidas concertadas da administração central e local para uma verdadeira dinamização e proveito para a economia da região, através do aconselhamento à ins-talação de unidades de acolhimento, ao planeamento de roteiros, à divulgação de per-cursos. Uma medida absolutamente necessária e premente seria a criação de uma direcção regional de turismo especificamente vocacionada para o Douro.